A Função Estratégica da Inovação: Como Integrar Inovação ao C-Level e à Agenda de Transformação

A promessa da inovação — e a realidade institucional

Nos últimos anos, a gestão da inovação se tornou uma prioridade declarada em praticamente todas as organizações. É difícil encontrar um CEO que não afirme que inovar é “fundamental para o futuro da empresa”. Mas há uma contradição latente entre o discurso e a prática: a inovação é frequentemente celebrada no PowerPoint — e ignorada nas salas de decisão.

Apesar de toda a retórica, muitas áreas de inovação continuam operando de forma periférica, decorativa ou experimental. Elas vivem no limite da estrutura, com acesso limitado ao C-Level, autonomia restrita, e influência quase nula sobre o core business. Isso cria um paradoxo organizacional:

A empresa quer se transformar, mas não dá à função de inovação o poder para influenciar sua transformação.

O resultado é um tipo específico de frustração institucional: times talentosos, iniciativas promissoras e metodologias atualizadas — mas sem impacto estratégico real.


Sinais do isolamento da função de inovação

Esse fenômeno de isolamento pode se manifestar de formas sutis, mas recorrentes. Aqui estão alguns sinais comuns:

  • A inovação reporta para áreas operacionais (ex: marketing, TI, RH) sem espaço no board;
  • Projetos de inovação precisam “pedir permissão” para avançar, mesmo quando testam oportunidades estratégicas;
  • O portfólio de inovação não conversa com o portfólio de crescimento da empresa;
  • Os comitês de inovação são consultivos, não deliberativos;
  • A inovação aparece em relatórios, mas não influencia a alocação de recursos relevantes;
  • A estratégia de inovação é construída à parte do planejamento estratégico formal.

Em muitos casos, a área de inovação se torna um laboratório de experimentações simpáticas, enquanto as decisões críticas da organização são tomadas por estruturas alheias a essas inovações — com base em lógicas de eficiência, risco e previsibilidade.


As raízes institucionais do problema

Esse isolamento não é apenas um erro tático. Ele tem raízes profundas nas dinâmicas institucionais da maioria das empresas maduras, especialmente aquelas com histórico de sucesso em ambientes estáveis.

Algumas dessas raízes incluem:

  • O peso da governança tradicional, baseada em previsibilidade e aversão ao risco;
  • A lógica funcional da estrutura matricial, que favorece eficiência sobre experimentação;
  • A fragmentação dos fóruns de decisão, que separa estratégia, execução e inovação;
  • A dificuldade de lidar com a ambiguidade que a inovação carrega — especialmente nos níveis mais altos de comando.

Como aponta Rita McGrath, em The End of Competitive Advantage, o modelo de vantagem sustentável baseado em posições estáticas está em colapso. Mas o mindset das estruturas de poder organizacional muitas vezes ainda opera sob essa lógica ultrapassada, dificultando a incorporação da inovação como um eixo decisório real.


Quando a inovação é performance — e não prática estratégica

Existe, também, um risco simbólico. Quando a inovação é isolada da estratégia, ela se torna performance institucional: algo que serve para comunicar modernidade, atrair talentos, gerar mídia e encantar stakeholders — mas sem alterar a lógica real da organização.

Esse tipo de “inovação decorativa” é visivelmente inofensiva:

  • Nunca confronta o modelo de negócio;
  • Evita conflitos com as áreas tradicionais;
  • Foca em tendências e tecnologias, não em problemas reais;
  • Cria iniciativas “populares”, mas desencaixadas do core.

O problema é que, ao tratar a inovação como um anexo, a organização perde a oportunidade de usá-la como instrumento de reposicionamento estratégico real — e, pior, descredibiliza a própria ideia de transformação.


O maior inimigo da inovação corporativa não é a falta de ideias ou de metodologias. É o isolamento estrutural da função de inovação em relação à estratégia real da empresa. Enquanto a inovação não tiver assento nos fóruns de poder — e acesso à estrutura política da organização —, ela será mantida à margem da mudança que promete promover.

Inovação É Estratégia — E Precisa Ser Tratada Como Tal

Inovar é decidir sobre o futuro — e isso é função estratégica

Ao contrário do que muitas estruturas organizacionais sugerem, inovação não é apenas um exercício de criatividade ou execução. É, acima de tudo, um mecanismo de decisão estratégica sob incerteza. É o modo como a organização decide:

  • Onde alocar recursos diante de hipóteses não comprovadas;
  • Como explorar novas arenas de valor ainda não dominadas;
  • Quando abandonar ativos atuais que já não sustentam a competitividade;
  • Que capacidades precisam ser desenvolvidas hoje para preparar o amanhã.

Essas perguntas não são táticas. São decisões fundantes — que dizem respeito à sobrevivência, à identidade e ao posicionamento futuro da organização. E, portanto, pertencem ao domínio da estratégia de mais alto nível.

Como diz Gary Pisano (2015) em seu artigo seminal You Need an Innovation Strategy, inovação sem estratégia é apenas tentativa e erro. E estratégia sem inovação é apenas projeção do passado.


Estratégia não é escolher o certo — é preparar-se para o incerto

Boa parte do distanciamento entre inovação e os fóruns estratégicos vem da ilusão de que a estratégia é um território de certeza. O planejamento estratégico tradicional ainda é fortemente orientado por:

  • Projeções de crescimento;
  • Estimativas de ROI;
  • Análise de competidores atuais;
  • Otimização incremental de negócios existentes.

Mas, como argumenta Roger Martin em The Design of Business, o pensamento estratégico de verdade exige trabalhar com lógica abductiva — ou seja, tomar decisões mesmo quando os dados são incompletos, e a resposta certa ainda não pode ser comprovada.

É nesse espaço que a inovação se encaixa: como prática estratégica de exploração, validação e reinvenção, capaz de expandir as fronteiras da vantagem competitiva.


A inovação como vetor de diferenciação e reinvenção estratégica

Empresas que integram inovação à sua estratégia não a tratam como um apêndice. Elas a utilizam como mecanismo de diferenciação contínua e adaptação ao contexto emergente. Isso significa:

  • Utilizar a inovação para explorar novas proposições de valor;
  • Desenvolver capacidades que não existem no core atual da organização;
  • Questionar as premissas do modelo de negócio vigente;
  • Criar múltiplas opções de futuro — algumas das quais podem canibalizar a lógica atual.

Essas empresas entendem que a vantagem competitiva, hoje, é transitória — como aponta Rita McGrath — e que o papel da inovação é justamente gerar ciclos sucessivos de reposicionamento antes que o core se torne irrelevante.

Em vez de buscar a estabilidade do modelo atual, elas investem em portfólios dinâmicos de possibilidades estratégicas — onde a inovação é a linguagem do risco inteligente.


Inovação é sobre risco — e isso exige governança estratégica

Ao operar sob alta incerteza, a inovação mexe em algo que toda organização tradicional evita: o risco visível, não contabilizado e com retorno indefinido.

Justamente por isso, ela precisa de amparo político e institucional. Iniciativas inovadoras precisam:

  • De espaço para errar de forma inteligente;
  • De tempo para gerar aprendizado relevante;
  • De acesso a recursos estratégicos (talento, tecnologia, capital);
  • De proteção contra o julgamento precoce baseado em métricas do core.

Sem isso, a inovação é sufocada pelas lógicas de eficiência — e deixa de cumprir seu papel estratégico.

O que emerge, então, é a necessidade de uma nova governança estratégica da inovação, na qual:

  • A área de inovação tem assento nos fóruns de decisão;
  • O portfólio de inovação dialoga com o portfólio de investimentos estratégicos;
  • As decisões de inovação são parte da agenda do CEO e do CFO;
  • A inovação é tratada como alocação de risco deliberada, e não como “projeto lateral”.

Inovação não é apenas um conjunto de práticas criativas. É uma função estratégica que lida com o desconhecido em nome da sobrevivência e da renovação organizacional. Enquanto ela for tratada como departamento operacional, a organização seguirá cega para o seu futuro possível.

Como Conectar a Inovação ao C-Level e aos Fóruns de Poder

Inovação sem influência é apenas ruído criativo

Se a inovação é, por natureza, uma função estratégica (como vimos na Parte 2), ela precisa participar dos espaços onde a estratégia é, de fato, construída. Isso significa acesso real ao C-Level — e mais do que isso, relevância ativa nos fóruns de tomada de decisão.

Mas o que significa, na prática, “conectar inovação ao C-Level”? Não se trata apenas de apresentar relatórios ou participar pontualmente de comitês. Trata-se de:

  • Ter voz qualificada nos ciclos de planejamento estratégico;
  • Influenciar a alocação de recursos em portfólios de médio e longo prazo;
  • Participar das discussões sobre o futuro do modelo de negócio;
  • Ser reconhecido como guardião da adaptabilidade organizacional.

Infelizmente, em muitas empresas, essa conexão ainda não existe — ou existe de forma simbólica. A área de inovação é ouvida, mas não influencia. É consultada, mas não define. É convidada, mas não lidera.

Para mudar isso, é preciso entender que o acesso ao C-Level é tão técnico quanto político — e exige construção de relevância institucional.


1. Mostrar que inovação entrega valor estratégico — e não apenas outputs criativos

Uma das principais barreiras para a inovação ganhar voz no topo da organização é a percepção de que ela lida com iniciativas periféricas, experimentais ou de baixo impacto financeiro.

Para romper essa barreira, a área de inovação precisa:

  • Mapear e comunicar contribuições reais à estratégia: aprendizados críticos, novos modelos testados, ativos construídos, hipóteses invalidadas;
  • Demonstrar como os experimentos aceleram a tomada de decisão estratégica;
  • Relacionar as iniciativas aos riscos que estão sendo mitigados, às oportunidades antecipadas e à construção de futuros possíveis;
  • Operar com um modelo de mensuração alinhado à lógica da incerteza, como o innovation accounting ou os KPIs por horizonte (H1, H2, H3).

Como mostra Geoff Tuff e Bansi Nagji, o impacto da inovação precisa ser apresentado não como uma “aposta de fé”, mas como um exercício racional de gestão de portfólio sob ambiguidade.


2. Construir narrativas que falam a linguagem do C-Level

Lideranças executivas tomam decisões com base em narrativas estratégicas sólidas. Isso exige que a área de inovação:

  • Traduza aprendizados técnicos em linguagem de risco, retorno, vantagem competitiva e crescimento;
  • Conecte iniciativas de inovação a metas organizacionais reais (ex: aumento de margem, entrada em novos mercados, expansão de LTV, mitigação de churn);
  • Ofereça cenários estratégicos com base em dados emergentes, não apenas tendências de mercado genéricas;
  • Crie storytelling analítico: capaz de explicar o valor do que ainda não foi provado com clareza e sofisticação.

O desafio é trazer o C-Level para a ambiguidade — sem perder o senso de decisão estratégica.


3. Ocupação tática dos fóruns de decisão

Não basta pedir espaço: é preciso conquistar lugar de fala nos fóruns que definem o futuro da organização. Isso envolve:

  • Participar dos ciclos de planejamento estratégico, budget anual e revisão de ambições corporativas;
  • Inserir a inovação como pauta nos comitês de crescimento, transformação, M&A e novos negócios;
  • Criar instâncias mistas entre inovação e áreas core, para legitimar o diálogo entre exploração e execução;
  • Conectar a inovação a áreas que moldam o futuro: estratégia, finanças, dados, ESG, marketing de portfólio.

O objetivo não é dominar esses fóruns, mas oferecer insumos relevantes, provocar reflexões críticas e sustentar decisões que abrem caminho para futuros possíveis.


4. Investir em líderes de inovação com presença política

Por fim, conectar inovação ao C-Level depende, também, de quem ocupa a liderança da função de inovação. Esse papel precisa ser preenchido por alguém que combine:

  • Visão estratégica e sensibilidade organizacional;
  • Capacidade de influenciar stakeholders e “traduzir mundos” (do técnico ao financeiro, do tático ao simbólico);
  • Convivência com a ambiguidade e coragem para sustentar hipóteses ainda não comprovadas;
  • Reputação de entrega, confiabilidade e inteligência relacional.

Como mostram estudos de Tushman e O’Reilly, lideranças ambidestras não são apenas gestores de times — são arquitetos organizacionais e mediadores de complexidade.


Inovação não pode ser uma função satélite. Se quiser moldar o futuro da organização, ela precisa habitar o centro do sistema político e estratégico da empresa. Isso exige mais do que metodologias. Exige narrativa, presença, performance estratégica e influência institucional.

A Inovação Como Agente Político e Institucional da Transformação Organizacional

O futuro não se impõe — ele se articula

Em ambientes complexos, a inovação precisa deixar de ser um “departamento de boas ideias” e se transformar em um vetor institucional de reinvenção organizacional. Isso significa atuar menos como laboratório periférico e mais como agente político, simbólico e sistêmico da mudança.

Organizações não se transformam apenas com metodologias ou planos estratégicos. Elas se transformam quando forças internas articulam novas narrativas, provocam novos tipos de decisão e constroem novas estruturas de legitimidade. E, nesse processo, a área de inovação pode — e deve — desempenhar um papel central.

Como mostram autores como Gary Hamel, Mary Uhl-Bien e Margaret Wheatley, a verdadeira transformação organizacional é uma disputa simbólica, política e sistêmica. E quem ocupa posições de orquestração da inovação precisa estar preparado para navegar essa complexidade.


O papel político da função de inovação

Toda função estratégica carrega poder institucional — mesmo que informal. E toda transformação bem-sucedida exige ocupação inteligente desse poder.

A função de inovação pode assumir esse papel por meio de três grandes frentes:

1. Curadoria de futuros possíveis

A inovação tem o papel único de trazer o futuro para o presente, não como previsão, mas como provocação. Isso significa:

  • Mapear cenários que desafiam o core atual;
  • Criar narrativas estratégicas sobre novos mercados, tecnologias ou modelos;
  • Posicionar a inovação como antena sensível da organização — que detecta o que está mudando antes que a mudança se imponha.

Mais do que responder ao ambiente, a inovação pode fazer perguntas que reconfiguram a estratégia.

2. Mediação entre agendas conflitantes

Toda organização é uma colcha de interesses — e, frequentemente, esses interesses entram em tensão. O papel da função de inovação, quando bem posicionada, é mediar essas tensões, construindo pontes entre:

  • Curto e longo prazo;
  • Eficiência e experimentação;
  • Core business e novas arenas de valor;
  • Controle e autonomia.

Em vez de tomar partido, a inovação deve ser o espaço onde diferenças se tornam diálogo estratégico, e onde o futuro é co-construído, não imposto.

3. Articulação institucional da mudança

Mudanças organizacionais não ocorrem por decreto. Elas ocorrem quando novas ideias encontram canal institucional, legitimidade simbólica e capacidade de execução.

A função de inovação pode acelerar essa transformação ao:

  • Criar estruturas intermediárias entre o novo e o core (ex: squads, labs, plataformas de venture building);
  • Influenciar políticas internas, como orçamento ágil, métricas adaptadas e novas alavancas de reconhecimento;
  • Promover pactos culturais, onde o risco calculado, o erro produtivo e a ambiguidade estratégica são institucionalmente aceitos.

A influência é construída — não concedida

O poder político da área de inovação não virá automaticamente com a criação de um cargo ou com a adoção de frameworks modernos. Ele precisa ser construído no tempo, com entrega, articulação e coragem institucional.

Lideranças de inovação precisam entender que:

  • Performance precede influência — resultados tangíveis em iniciativas concretas geram credibilidade;
  • Narrativa sustenta presença — contar bem o valor da inovação amplia sua legitimidade;
  • Acesso não basta sem posicionamento — sentar à mesa não é o suficiente se a voz da inovação ecoar como ruído.

Como aponta Tushman, inovadores eficazes são ambidestros não apenas na gestão, mas na política organizacional. Sabem quando desafiar o status quo e quando construir consenso. Sabem quando acelerar — e quando esperar o momento certo para pivotar o sistema.


A função de inovação não deve aceitar o papel de coadjuvante institucional. Ela pode — e deve — ser a instância que articula o futuro organizacional, media as tensões do presente e molda os sistemas que tornam a mudança possível, legítima e sustentável.

Para isso, é preciso uma nova ambição: reposicionar a inovação não como ferramenta, mas como consciência estratégica da organização. Uma função que olha além da operação, além da retórica, além dos ciclos orçamentários — e atua como arquitetura viva da transformação contínua.