Dicas para garantir a perenidade dos programas de intraempreendedorismo

Existe um padrão recorrente em empresas que iniciam programas de intraempreendedorismo: os primeiros ciclos são vibrantes, mobilizam pessoas, produzem boas ideias e criam uma sensação generalizada de que algo novo está surgindo.

Mas, passado algum tempo, a energia se dissipa. Os projetos não encontram espaço para escalar. Os times são dissolvidos. As ideias validadas se perdem entre áreas. E os intraempreendedores mais engajados voltam para seus postos operacionais — ou, em alguns casos, deixam a empresa.

O que aconteceu?

Não foi falha de metodologia. Nem de criatividade. Muito menos de comunicação. O que aconteceu foi uma falha de continuidade organizacional.

Essa falha tem várias formas: falta de estrutura de transição dos projetos, ausência de estratégia para absorção dos resultados, descompasso entre o tempo da inovação e o tempo da operação, liderança sem visão de longo prazo, rotatividade de stakeholders-chave, orçamento encerrado no final do ciclo, ou simplesmente falta de atenção institucional quando o tema sai do radar.

Para evitar isso, a organização precisa pensar o intraempreendedorismo como um sistema contínuo e adaptável — não como um projeto com início, meio e fim. E isso exige uma nova lógica de sustentação: governança de longo prazo, memória organizacional, redes de apoio, trilhas de progressão e mecanismos de transição bem definidos.

Vamos agora entender como construir essa lógica em camadas que se sustentam mutuamente.


De projeto para sistema: a primeira transição crítica

A primeira mudança essencial é de mentalidade. Enquanto tratarmos os ciclos de intraempreendedorismo como “projetos bem-sucedidos” isolados, estaremos sempre recomeçando. A chave está em transformar os projetos em componentes de um sistema de aprendizagem e transformação contínua.

Isso significa:

  • Ver cada projeto como parte de um portfólio de descobertas, e não como uma iniciativa estanque;
  • Registrar os aprendizados de cada ciclo em um repositório vivo, acessível e reutilizável;
  • Criar canais formais de reaproveitamento de hipóteses testadas, dados validados e soluções parciais;
  • Entender que o sucesso de um ciclo não está apenas na entrega final, mas na construção de capacidades organizacionais.

Empresas como a Embraer, Natura e Sicredi, que mantêm programas há mais de cinco anos, relatam que o verdadeiro valor surgiu quando pararam de medir projetos isolados e começaram a acompanhar a evolução do ecossistema: pessoas, cultura, padrões de aprendizado, ciclos de maturação, mudanças de linguagem, comportamento e tomada de decisão.

É a passagem do impacto pontual para o impacto acumulativo.


A segunda transição: da ideia ao negócio

Outra fragilidade comum está no momento em que o projeto precisa “sair do laboratório” e ser absorvido pela organização.

Aqui, morrem as ideias mais promissoras.

Não porque não tenham valor, mas porque a organização não sabe (ou não quer) integrá-las. Falta governança de transição, clareza sobre onde e como as ideias devem viver, e quem assume a continuidade após a fase de protótipo.

Essa fase crítica pode ser chamada de “vale da morte organizacional” da inovação interna: aquele momento em que a energia se esgota antes da consolidação.

Superar esse ponto exige:

  • Que os programas definam modelos de transição claros: o que precisa acontecer para que uma ideia seja absorvida? Por quem? Em que formato?
  • Que existam papéis definidos para conduzir a transição, como os “sponsors operacionais” — gestores que assumem o projeto e o adaptam à rotina real;
  • Que a empresa aceite fases intermediárias de incubação, com tempo para ajustes, adaptação à escala, treinamento de equipes e diálogo com a operação.

O Itaú, por exemplo, criou um processo chamado transição assistida, em que os projetos finalistas passam por um ciclo de três meses de mentoria e adaptação junto às áreas responsáveis. Isso evita que a ideia seja “jogada” no core sem preparo — e aumenta significativamente a chance de adoção real.


Garantir continuidade é proteger o aprendizado

Mais do que preservar os projetos, a continuidade serve para preservar o aprendizado coletivo. Esse talvez seja o maior valor gerado por programas de intraempreendedorismo — e o mais facilmente perdido.

Aprender com uma ideia que não escalou, ou que não foi adotada, é tão estratégico quanto implementar uma solução de sucesso. Mas esse aprendizado só se mantém quando a organização o documenta, compartilha e reintegra.

Isso requer mecanismos institucionais simples, mas poderosos:

  • Repositórios vivos de experimentos, com fichas de aprendizado acessíveis a todos;
  • Fóruns de reaproveitamento de hipóteses: uma ideia que não funcionou em uma área pode ser ouro em outra;
  • Políticas claras de reaproveitamento de pessoas: intraempreendedores que lideraram projetos devem ser realocados com critério, valorizados e acompanhados — e não dispersados.

Organizações com maturidade inovadora tratam o conhecimento gerado pela experimentação como um ativo estratégico, não como subproduto de um programa.

Sustentação, legado e influência estratégica

Toda organização que já vivenciou ciclos de inovação interna sabe que a energia inicial — intensa, empolgante, quase revolucionária — tende a se dissipar se não houver um sistema institucional capaz de protegê-la, amplificá-la e reintegrá-la.

E esse sistema precisa de muito mais do que boas intenções ou narrativas inspiradoras. Precisa de políticas, processos, fluxos orçamentários, fóruns de decisão e continuidade de memória organizacional. Sem isso, até os melhores programas ficam vulneráveis ao turnover de liderança, à mudança de contexto ou ao cansaço institucional.

Vamos explorar agora cinco pilares que formam essa infraestrutura de continuidade.


1. Governança que dura mais que um ciclo

O primeiro pilar é a governança. E aqui estamos falando de uma estrutura que transcenda projetos pontuais e permita continuidade entre ciclos, equipes e lideranças.

Uma governança de continuidade precisa:

  • Ter mandato estratégico, ou seja, ser reconhecida como parte da agenda institucional, com apoio explícito da alta liderança;
  • Estar ancorada em áreas que não sejam exclusivamente ligadas à inovação, como RH, transformação digital, cultura ou estratégia corporativa — evitando que fique restrita a uma unidade experimental e, portanto, frágil politicamente;
  • Operar com papéis distribuídos, incluindo: patrocinadores executivos, facilitadores de transição, mentores internos, representantes das áreas de negócio e ex-participantes (alumni).

Além disso, a governança precisa incluir um ciclo de revisão contínua do próprio programa: o que precisa mudar, quais resultados foram absorvidos, o que pode ser escalado e como os aprendizados são reinseridos na cultura organizacional.

Empresas como a Nestlé Brasil estabeleceram comitês multidisciplinares para acompanhar a evolução das iniciativas intraempreendedoras não apenas enquanto duram os projetos, mas por até 12 meses após sua finalização, acompanhando integração, pivôs, desistências e absorção pelo negócio.

Esse acompanhamento não é controle — é gestão do legado.


2. Orçamento contínuo com lógica de portfólio

Outra falha frequente que mata a continuidade é o modelo orçamentário rígido e anualizado. Projetos de intraempreendedorismo, por sua natureza, exigem agilidade e ciclos não necessariamente compatíveis com o calendário fiscal tradicional.

Para que iniciativas possam evoluir, pivotar, escalar ou ser transferidas de forma sustentável, é necessário que o programa conte com um orçamento de fluxo contínuo, com:

  • Recursos reservados para etapas posteriores de ideias validadas;
  • Alocação flexível por estágio de maturidade;
  • Possibilidade de redirecionamento rápido, à medida que os aprendizados evoluem;
  • Mecanismos simplificados para compras, contratos, viagens e pequenas experimentações.

Muitas organizações já adotam fundos internos de inovação com comitês ágeis de liberação de verba, conectados ao portfólio de projetos. Nesses fundos, o que se avalia não é só o potencial de ROI, mas também o alinhamento estratégico, o grau de incerteza, e a curva de aprendizado esperada.

Isso aproxima o modelo interno de uma lógica de venture capital, sem abandonar os critérios organizacionais, e permite que as ideias evoluam com saúde — sem depender de renegociações a cada ciclo.


3. Redes de alumni intraempreendedores

Poucos ativos organizacionais são tão subutilizados quanto os talentos que participaram de ciclos de intraempreendedorismo e não são mobilizados depois. Essas pessoas viram a organização de um novo ângulo, vivenciaram processos complexos, construíram redes e desenvolveram competências que não podem ser ignoradas.

Ao não reaproveitá-las, a empresa perde inteligência, engajamento e oportunidades de retroalimentação.

A criação de redes de alumni intraempreendedores é uma forma poderosa de:

  • Preservar a memória viva dos aprendizados;
  • Mobilizar pessoas como mentoras para novos ciclos;
  • Criar uma comunidade interna de prática, conectando áreas e ciclos;
  • Tornar visível a evolução do ecossistema de inovação ao longo do tempo.

Essas redes podem operar de forma leve, por meio de plataformas internas, encontros periódicos, grupos de aprendizagem, produção de conteúdo ou participação em eventos estratégicos da empresa.

No Hospital Albert Einstein, por exemplo, a equipe de inovação criou o “Clube do Projeto Aprendido”, em que ex-participantes se reúnem para revisar, atualizar e compartilhar aprendizados de projetos passados com novas equipes.

Essas redes não apenas sustentam o conhecimento — fortalecem o senso de continuidade e pertencimento.


4. Gestão do legado: do aprendizado individual à aprendizagem organizacional

Intraempreendedorismo é um gerador de conhecimento. Mas esse conhecimento, se não for sistematizado, se perde. E quando se perde, a organização volta a repetir erros que já haviam sido resolvidos, ou deixa de aproveitar aprendizados prontos para serem adaptados em outros contextos.

A gestão do legado exige:

  • Repositórios de aprendizados acessíveis, atualizados e vivos;
  • Processos de curadoria das melhores práticas, hipóteses refutadas e sucessos replicáveis;
  • Sessões de transferência de conhecimento formalizadas ao fim de cada ciclo;
  • Comunicação clara sobre como os aprendizados estão influenciando decisões estratégicas, políticas, processos ou produtos.

Esse processo transforma o intraempreendedorismo em sistema de aprendizado contínuo, e não apenas de ideação.

Empresas como a Ambev já operam com mapas de experimentos consolidados, onde se registram o problema, a hipótese, a métrica, o que foi testado, o que deu certo, o que não deu, e como isso impactou outras áreas ou inspirou novas iniciativas.


5. Influência estratégica: transformar impacto em capacidade institucional

Por fim, garantir continuidade significa transformar os resultados do intraempreendedorismo em influência real na estratégia da empresa.

Isso envolve conectar os aprendizados com:

  • O planejamento estratégico;
  • A gestão de portfólio de inovação;
  • As decisões de investimento em tecnologia e novos modelos de negócio;
  • A política de desenvolvimento de talentos e sucessão.

Ou seja, os frutos da inovação interna não podem ficar restritos à “caixinha” do programa. Eles precisam ser usados como argumentos, dados, evidências e insumos para tomada de decisão — tanto nos níveis táticos quanto na alta liderança.

Quando a organização começa a usar os aprendizados de seus próprios colaboradores para ajustar sua visão de futuro, é sinal de que o intraempreendedorismo deixou de ser uma ferramenta — e se tornou uma capacidade estratégica institucionalizada.


Conclusão: quando a inovação continua, a empresa aprende a continuar inovando

A inovação interna, quando sustentada com inteligência, deixa de ser um esforço episódico e passa a ser uma força geradora de capacidades evolutivas. Ela forma pessoas, transforma processos, alimenta decisões e molda culturas. Mas, para isso, precisa de continuidade.

E continuidade não é inércia. É intencionalidade aplicada ao tempo.

Organizações que constroem esses sistemas não apenas conseguem reter talentos e soluções. Elas constroem um tipo raro de inteligência: a capacidade de aprender com o que já tentaram — e seguir tentando, de forma cada vez mais sofisticada.