Economia Comportamental no Stage-Gate: Tomando Decisões com Menos Viés e Mais Valor

A lógica pode estar certa — mas a decisão, nem sempre

Você já participou de um comitê onde uma ideia promissora foi engavetada sem muita explicação, ou viu um projeto seguir adiante apenas porque “já estávamos com ele há tempo demais para desistir agora”? Se a resposta for sim, saiba que isso é mais comum do que parece. Por mais estruturado que seja o processo Stage-Gate, as decisões tomadas dentro dele são feitas por pessoas. E pessoas, mesmo com boa intenção, nem sempre decidem com base na lógica pura.

É aqui que a economia comportamental se torna uma grande aliada. Ao contrário da economia tradicional, que assume que decidimos de forma racional e objetiva, a economia comportamental parte do princípio de que somos influenciados constantemente por contexto, emoções, atalhos mentais e percepções distorcidas. E quando o assunto é inovação — que por natureza envolve risco, incerteza e mudança — esses viéses se tornam ainda mais evidentes.

Em um gate, quando um comitê precisa decidir se um projeto avança, pausa ou é encerrado, o que está em jogo vai muito além dos dados apresentados. Elementos sutis, como a forma como a ideia foi defendida, a ordem em que as opções foram colocadas, ou até mesmo o histórico emocional da equipe com aquele projeto, podem pesar mais que os próprios aprendizados vindos do mercado.

Por isso, trazer os conceitos da economia comportamental para dentro do Stage-Gate não significa “psicologizar” o processo, mas sim reconhecer que mesmo decisões estruturadas são afetadas por fatores invisíveis — e que é possível criar ambientes que favoreçam escolhas mais conscientes, éticas e eficazes.


Por que as decisões de inovação são especialmente vulneráveis aos viéses?

Inovar exige coragem. E coragem, muitas vezes, entra em conflito com o nosso instinto de autopreservação. Quando estamos diante de uma ideia nova — que ainda não tem todos os dados, que pode mexer com a estrutura da empresa, ou que contraria modelos já estabelecidos — nosso cérebro tende a se proteger. Ele procura atalhos, repete padrões conhecidos e evita o desconforto.

É por isso que decisões de inovação estão entre as mais suscetíveis a viéses cognitivos. Não porque as pessoas não querem inovar, mas porque nosso modo automático de pensar prefere aquilo que é seguro, previsível e familiar. O risco, mesmo quando necessário, gera desconforto.

Ao entender isso, ganhamos uma oportunidade valiosa: redesenhar os momentos de decisão para reduzir a influência desses viéses. E o Stage-Gate, com sua estrutura de checkpoints, é um terreno fértil para essa transformação.

Redesenhando decisões: como tornar os gates mais conscientes e menos enviesados

Uma das maiores forças do modelo Stage-Gate está justamente na sua estrutura. Ele estabelece marcos claros para avaliar projetos e tomar decisões baseadas em critérios objetivos. Porém, quando esses critérios são aplicados por pessoas — e não por máquinas — a subjetividade entra em cena. E é nesse ponto que a economia comportamental pode ajudar, não para eliminar o fator humano, mas para protegê-lo de seus próprios atalhos mentais.

A ideia aqui não é tornar o processo robótico, mas criar ambientes de decisão que favoreçam escolhas mais justas, transparentes e alinhadas com os aprendizados do projeto. Isso pode ser feito com pequenas mudanças — os chamados nudges, ou empurrõezinhos — que orientam o comportamento sem impor caminhos.

Por exemplo, mudar a ordem de apresentação das propostas em um comitê pode reduzir o chamado anchoring bias, que ocorre quando a primeira informação mostrada influencia desproporcionalmente o julgamento das demais. Em vez de seguir a lógica “quem apresenta primeiro”, as organizações podem alternar a ordem com base em sorteio ou relevância estratégica, para equilibrar as percepções.

Outro ponto-chave é a forma como os aprendizados são comunicados. Em vez de apresentações genéricas que defendem a continuidade do projeto, os comitês podem adotar estruturas narrativas baseadas em evidência: o que foi aprendido com os clientes, o que ainda é incerto, quais hipóteses foram refutadas e quais foram confirmadas. Isso diminui o espaço para vieses como o confirmation bias, que nos faz buscar só os dados que confirmam nossa crença anterior.

Além disso, incluir no gate uma prática simples como a técnica do pré-mortem — onde os avaliadores são convidados a imaginar que o projeto falhou no futuro e a refletir sobre o que poderia ter causado isso — amplia a visão crítica sem cair no pessimismo. Essa abordagem, muito usada por empresas como Google e Amazon, ajuda a antecipar riscos ocultos e promove uma discussão mais honesta, sem parecer uma crítica direta ao projeto ou à equipe.

Outra prática poderosa é ter um “advogado do diabo” no comitê — alguém com a missão de levantar objeções construtivas, desafiar premissas e estimular o debate. Isso evita o groupthink, ou pensamento em grupo, onde todos concordam com tudo apenas para manter o clima harmonioso. Afinal, a inovação exige discordância saudável.

Por fim, a forma como se define o sucesso de um projeto em cada gate precisa ser reavaliada. Em vez de perguntar “o projeto está pronto para avançar?”, uma pergunta mais útil pode ser: “nós aprendemos o suficiente nesta fase para justificar o próximo passo?”. Essa simples mudança de foco — da defesa do projeto para o aprendizado gerado — transforma a tomada de decisão.

Exemplos reais: quando o processo favorece boas decisões, o resultado aparece

Empresas que perceberam o impacto dos viéses em suas decisões de inovação vêm reformulando seus processos para criar ambientes de decisão mais conscientes e racionais. A seguir, algumas práticas adotadas por organizações que se destacam nesse campo.

Na Intuit, criadora do QuickBooks e TurboTax, todos os projetos que chegam a um gate precisam apresentar o que chamam de “evidência de verdade” — dados coletados diretamente com usuários reais, por meio de experimentos controlados. Os comitês são treinados para avaliar essas evidências, e não apenas o discurso da equipe. Eles evitam julgamentos subjetivos substituindo perguntas como “você acredita nessa ideia?” por “quais comportamentos do usuário comprovam essa hipótese?”.

Já a Spotify, conhecida por seu modelo ágil de gestão, utiliza a prática do pré-mortem como ritual obrigatório em decisões estratégicas. Isso ajuda as squads a não se iludirem com a empolgação inicial e a considerar falhas plausíveis com antecedência. A ideia não é desmotivar, mas criar uma mentalidade mais crítica e construtiva — protegendo a empresa contra apostas mal calculadas.

No Brasil, uma grande empresa do setor financeiro reformulou seus comitês de gate após perceber que projetos avançavam por status político ou pela reputação da área de origem, e não pelo mérito. A mudança incluiu a criação de checklists de evidência, alternância de líderes avaliadores e um moderador externo nos gates para mediar decisões com isenção. Em seis meses, o índice de reavaliação de projetos caiu em 23% e a taxa de aprovação baseada em evidência subiu quase 40%.


6 Perguntas Frequentes sobre Economia Comportamental no Stage-Gate

1. Preciso treinar o comitê de gate em psicologia para aplicar isso?
Não. Pequenas mudanças na estrutura e nas perguntas já fazem grande diferença. O foco é criar condições que favoreçam decisões mais conscientes, não transformar todos em especialistas.

2. Como lidar com o viés do líder que sempre quer continuar o projeto?
Inclua práticas como o pré-mortem, o papel do advogado do diabo e a exigência de evidência externa. Isso reduz a influência de opiniões isoladas.

3. Dá para aplicar economia comportamental com dados quantitativos?
Sim. Mas o ponto principal é como os dados são apresentados. Estruture comparações, evite “âncoras” exageradas e contextualize os números.

4. Isso não vai tornar o processo mais lento?
Pelo contrário. Decisões mais conscientes economizam tempo e recursos lá na frente, reduzindo retrabalho e apostas mal alinhadas com a realidade.

5. Posso aplicar isso em projetos internos e de melhoria contínua?
Com certeza. Toda decisão que envolve escolha sob incerteza se beneficia dessas abordagens — mesmo que o impacto não seja diretamente no cliente final.

6. Qual o primeiro passo para trazer isso para minha empresa?
Comece revisando os critérios e rituais dos gates. Experimente substituir uma ou duas perguntas por abordagens que foquem mais em aprendizado do que em defesa de projetos. O restante evolui com o tempo.


Conclusão: decidir melhor é o novo diferencial da inovação

O sucesso da inovação não depende apenas da qualidade das ideias — depende, em grande parte, da qualidade das decisões tomadas ao longo do caminho. E essas decisões, mesmo em processos bem estruturados como o Stage-Gate, são feitas por seres humanos — com tudo de genial e falho que isso implica.

Aplicar a economia comportamental nos gates é um convite a evoluir. A reconhecer que nossos cérebros precisam de ajuda para escolher com mais clareza, mais base em dados e menos influência de atalhos mentais. Não para eliminar a intuição, mas para equilibrá-la com evidência, estrutura e diversidade de pensamento.

Se você quer dar o primeiro passo, comece pequeno:

  1. Reflita sobre como as decisões vêm sendo tomadas hoje.
  2. Experimente incluir uma prática como o pré-mortem ou os test cards nos próximos gates.
  3. Revise os critérios de avaliação para valorizar aprendizado, e não só resultados finais.
  4. Promova conversas francas sobre como melhorar a qualidade das escolhas.
  5. E, acima de tudo, trate a decisão como parte do processo de inovação — não como um simples carimbo.

Porque, no fim das contas, o futuro da inovação está menos em prever o que vem pela frente e mais em decidir melhor o próximo passo.