O cliente não entra só no final — ele guia desde o início
Por muito tempo, o modelo clássico de desenvolvimento de produtos seguia uma lógica arriscada: construir primeiro, testar depois. Só que, especialmente em inovação, isso tem um custo alto. Imagine investir meses — ou anos — em algo que o cliente nunca pediu, nunca entendeu ou nunca usaria.
É para evitar esse tipo de erro que entra o Customer Development, ou desenvolvimento com o cliente — uma abordagem que coloca o aprendizado validado com o usuário como base para o avanço do projeto. Quando aplicada dentro do Stage-Gate, ela transforma os primeiros estágios do processo em ciclos de descoberta real, não apenas de planejamento.
Na prática, isso significa que o Gate 2, por exemplo, não é mais apenas sobre a viabilidade técnica e financeira da solução, mas sim sobre o quanto sabemos que estamos resolvendo o problema certo, para a pessoa certa, da forma certa.
Como aplicar Customer Development dentro do Stage-Gate: de hipótese a evidência, antes do investimento
Integrar Customer Development ao Stage-Gate exige uma mudança de postura: em vez de partir da solução, parte-se da dúvida. Em vez de pedir aprovação com base em planos, leva-se aos gates evidências concretas sobre o comportamento, os desejos e as dores dos clientes. O foco deixa de ser o que a empresa quer lançar — e passa a ser o que o cliente realmente precisa.
Para isso, é possível mapear cada uma das etapas de Customer Development dentro dos primeiros três estágios do Stage-Gate, transformando o processo em um ciclo de aprendizado progressivo.
Stage 0 e Stage 1: Customer Discovery — investigando o problema antes da solução
Nesse momento, o objetivo não é confirmar uma ideia, mas sim descobrir se existe um problema real, relevante e recorrente. É o momento de se aprofundar nas necessidades do cliente, entender contextos, identificar padrões e evitar o erro de “solucionar dores que ninguém sente”.
Aqui, aplicam-se técnicas como:
- Entrevistas em profundidade: com foco no passado, não em preferências. Queremos entender comportamentos, motivações e frustrações reais.
- Jornadas do cliente e mapeamento de pontos de dor: para identificar os momentos críticos onde o problema ocorre com maior intensidade.
- Teste de problema: apresentar uma narrativa do problema ao cliente e avaliar sua reação emocional, nível de identificação e urgência percebida.
Um bom critério para Gate 1 nessa fase não é “temos uma ideia clara?”, mas sim: “temos evidências suficientes de que este problema existe, é relevante e mal resolvido no status quo?”
Stage 2: Customer Validation — testando a solução com foco em aprendizado
Após entender o problema, entramos na fase de testar a proposta de solução. Aqui, o erro mais comum é pular direto para desenvolver um protótipo final. A abordagem de Customer Development sugere o oposto: testes rápidos, baratos e voltados a aprendizados claros.
As ferramentas mais eficazes incluem:
- Prototipagem rápida: wireframes, vídeos conceituais, simulações ou MVPs de baixa fidelidade que representem a ideia sem necessidade de um produto pronto.
- Testes de valor percebido: landing pages, testes A/B, falsas portas e até campanhas de pré-lançamento que validem o interesse real, a disposição de pagar ou o fit da solução.
- Experimentos de preço ou canal: oferecer a solução em diferentes condições para entender o comportamento do cliente diante de ofertas específicas.
Esses testes devem gerar dados que alimentam não só o projeto, mas a decisão do Gate 2. Um projeto que valida com clientes que a solução resolve uma dor real e tem tração inicial (mesmo que em pequena escala), tem muito mais chance de ser aprovado com confiança.
A importância de trazer o cliente para dentro dos gates
Tradicionalmente, os gates são pontos de decisão baseados em apresentações internas. Ao aplicar Customer Development, os clientes passam a ser fontes diretas de insumos para essa decisão. Isso muda o jogo.
O comitê de gate pode começar a avaliar critérios como:
- Nível de evidência qualitativa ou quantitativa sobre o problema
- Clareza de aprendizado sobre o cliente e contexto de uso
- Número de ciclos de teste realizados e aprendizados acumulados
- Taxa de rejeição ou aceitação da proposta de valor
- Tempo médio entre testes e iterações significativas
Esses dados ajudam os decisores a diferenciar projetos com boas intenções daqueles com boas validações. E mais importante: criam uma cultura de aprendizado e não de “defesa de powerpoint”.
Ferramentas práticas para capturar e comunicar aprendizados com o cliente
Customer Development exige mais do que testar hipóteses — exige aprender com consistência. E para isso, documentar de forma clara cada insight é essencial. As ferramentas abaixo ajudam a transformar dados de campo em insumos estratégicos, organizando a complexidade do que foi aprendido com clientes.
1. Test Cards e Learning Cards
Inspirados pelo Lean Startup, os Test Cards são formulários simples que ajudam a estruturar experimentos:
- O que queremos aprender?
- O que vamos testar?
- Qual o resultado esperado?
- Qual será a métrica de sucesso?
Após o teste, um Learning Card fecha o ciclo:
- O que aprendemos de fato?
- O que faremos diferente a partir disso?
- Essa hipótese foi confirmada, refutada ou precisa ser ajustada?
Esse processo torna o conhecimento mais transparente e comunicável entre áreas — inclusive nos comitês de gate.
2. Customer Journey Canvas com evidências
Mapear a jornada do cliente não é novidade. O diferencial está em preencher essa jornada com dados reais, vindos de entrevistas, testes e observações em campo. Isso permite visualizar onde estão as principais dores, quais momentos têm mais atrito e onde a solução precisa ser mais eficaz.
Essa ferramenta se torna um ativo valioso no Gate 2, pois mostra com clareza onde e como a proposta de valor se conecta com a experiência real do usuário.
3. Evidence Boards
Algumas empresas têm adotado murais visuais que reúnem todas as evidências coletadas sobre o problema e a solução. Esses boards ajudam a mostrar, de forma concreta, que a equipe não está “achando”, mas sim testando, ouvindo e aprendendo com o cliente.
Eles podem incluir vídeos de entrevistas, feedbacks de testes, screenshots de campanhas, gráficos de engajamento em landing pages e muito mais.
Gate 2 reimaginado: decisão baseada em tração, não em PowerPoint
Tradicionalmente, o Gate 2 é o ponto onde se decide se vale a pena investir na fase de desenvolvimento completo da solução. No entanto, se as decisões se baseiam apenas em projeções financeiras e planos bem apresentados, a empresa corre o risco de aprovar ideias tecnicamente viáveis, mas sem fit real com o mercado.
Ao aplicar o Customer Development, o Gate 2 passa a ter um novo papel: ser o checkpoint da tração real. Não no sentido de faturamento, mas de validação. A pergunta central muda de “o projeto está bem planejado?” para “temos evidências suficientes de que essa solução resolve um problema que importa para um grupo de clientes real?”
Critérios recomendados para avaliação no Gate 2:
- Volume e qualidade das entrevistas realizadas
- Coerência entre o problema identificado e a proposta de valor
- Testes de solução realizados com usuários reais
- Métricas de engajamento ou conversão (mesmo que em ambiente controlado)
- Iterações realizadas com base em aprendizados
Isso cria um novo tipo de segurança: não mais baseada em previsibilidade financeira, mas em conexão com a realidade do mercado.
Casos reais: empresas que colocaram o cliente no centro dos gates
1. Resultados Digitais (RD Station)
Antes de lançar novas funcionalidades em seu software de automação de marketing, a RD começou a testar hipóteses com grupos reduzidos de clientes através de entrevistas e protótipos clicáveis. Essas interações passaram a ser apresentadas nos comitês de go/no-go, substituindo apresentações tradicionais por dados de uso real e feedbacks diretos.
Com isso, reduziram em 40% o retrabalho de funcionalidades pós-lançamento e passaram a priorizar com mais confiança as features com maior potencial de adoção.
2. Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Em seu programa de inovação aberta, o hospital criou um processo de Stage-Gate adaptado com foco em validações clínicas e operacionais. O Gate 2 foi reconfigurado para exigir, como critério obrigatório, validação direta com pacientes ou profissionais de saúde. O resultado foi um portfólio com menor risco reputacional e soluções com fit real com o dia a dia hospitalar.
3. Magazine Luiza (LuizaLabs)
O LuizaLabs, laboratório de inovação da Magalu, aplica Customer Development desde os estágios iniciais, com sprints de descoberta que combinam testes de demanda (landing pages), entrevistas com consumidores e análise de comportamento de navegação. Esses dados são levados para os gates em formato de dashboards de aprendizado, o que ajuda as lideranças a decidir com base em sinais de tração e comportamento, não apenas em expectativas internas.
6 Perguntas Frequentes sobre Customer Development no Stage-Gate
1. Posso aplicar Customer Development mesmo sem um produto pronto?
Sim! Na verdade, o ideal é justamente validar antes de investir em desenvolvimento. Use entrevistas, testes conceituais e protótipos de baixa fidelidade.
2. Qual a diferença entre “Customer Development” e “pesquisa de mercado”?
Customer Development é mais iterativo, prático e centrado no aprendizado. Ele testa hipóteses e valida comportamentos, enquanto pesquisas tradicionais tendem a ser mais descritivas e opinativas.
3. Quantas entrevistas são necessárias para validar um problema?
Depende da complexidade do contexto. Mas entre 10 e 15 entrevistas bem conduzidas costumam revelar padrões suficientes para direcionar o projeto com segurança.
4. Posso usar esse processo em projetos internos (ex: inovação organizacional)?
Com certeza. O “cliente” pode ser um colaborador, uma área de negócio ou até um fornecedor. O princípio é o mesmo: validar antes de escalar.
5. Como registrar os aprendizados para levar ao gate?
Use ferramentas como learning cards, quadros visuais, gravações de testes, resumos de entrevistas e dashboards simples. O importante é mostrar o que foi aprendido, não só o que foi feito.
6. O que fazer se o cliente não demonstrar interesse na ideia?
Isso é ótimo! Significa que você evitou um investimento maior em algo com baixo valor percebido. Pivotar cedo é um sinal de maturidade no processo de inovação.
Conclusão: antes de convencer a liderança, escute o cliente
O Stage-Gate é um modelo robusto e eficiente para organizar a inovação. Mas ele se torna ainda mais poderoso quando aliado ao Customer Development. Em vez de depender apenas da força de uma apresentação ou da experiência da equipe, você leva aos gates evidências reais de conexão com o cliente.
Essa integração não exige uma revolução — exige intenção. E alguns passos simples podem fazer toda a diferença:
- Inclua validações com o cliente como critério obrigatório nos gates iniciais
- Estruture aprendizados com ferramentas visuais e linguagem acessível
- Use entrevistas, testes simples e protótipos rápidos antes de construir
- Adapte comitês de decisão para valorizar evidência mais do que opinião
- Crie uma cultura de aprendizado contínuo — e não apenas de aprovação
Fazer isso transforma o Stage-Gate em um processo mais vivo, empático e conectado com o que realmente importa: criar soluções que gerem valor real para pessoas reais.