4 práticas para a gestão da insegurança no intraempreendedorismo

O medo como força silenciosa nas organizações

Quando pensamos em inovação, frequentemente nos concentramos em criar o novo. Mas há algo anterior, mais fundamental e frequentemente negligenciado: a necessidade de desaprender o medo que paralisa. O medo do fracasso não é apenas um sentimento individual. Ele é um sistema cultural compartilhado, aprendido e reforçado socialmente. E nas organizações, ele se instala de forma sutil — muitas vezes invisível, mas profundamente eficaz.

Esse medo se manifesta de diversas formas:

  • No silêncio das reuniões, quando ninguém questiona a decisão errada;
  • No “deixa quieto” de quem já tentou inovar e não foi ouvido;
  • Na autocensura de ideias promissoras que nunca saem da mente;
  • Na conformidade de equipes que preferem repetir o que funciona do que arriscar o que poderia melhorar.

Por isso, este artigo não trata apenas de motivar para o novo. Ele trata de desconstruir as amarras que mantêm a cultura organizacional prisioneira do conhecido.


Por que o medo do fracasso é estrutural — e não apenas pessoal

Embora o medo pareça uma emoção individual, suas causas e reforços são quase sempre estruturais e institucionais. A maioria das organizações opera, ainda hoje, com sistemas de avaliação, controle e recompensa baseados em previsibilidade, excelência operacional e aversão a desvios.

Esse modelo, essencial para garantir a eficiência do “core business”, cria um paradoxo: os mesmos mecanismos que asseguram a estabilidade bloqueiam o aprendizado inovador. E não por má intenção, mas por design.

Estudos da London Business School e da INSEAD apontam que, em contextos organizacionais de alto controle e baixa segurança psicológica, colaboradores reduzem suas contribuições criativas em até 65%. E, mesmo quando têm ideias, deixam de compartilhá-las se acreditam que serão avaliados negativamente em caso de erro.

Amy Edmondson, professora de liderança na Harvard Business School, introduziu o conceito de “segurança psicológica” como o fator que permite a expressão de ideias, dúvidas e riscos sem medo de retaliação. Em seu estudo seminal sobre equipes médicas, ela mostrou que os times com maior segurança relatavam mais erros — mas, paradoxalmente, eram os mais eficazes. Porque não escondiam os erros. Corrigiam, aprendiam e evoluíam.


Quais são as principais barreiras culturais que sustentam o medo?

Dentro do contexto do intraempreendedorismo, podemos identificar cinco barreiras culturais críticas que alimentam o medo do fracasso e bloqueiam a experimentação:

1. Cultura da perfeição

Empresas que premiam apenas entregas impecáveis, onde o erro é sinal de incompetência, criam ambientes onde nada novo nasce, pois tudo que é novo nasce imperfeito. A perfeição como critério de performance elimina o espaço da descoberta.

2. Punição silenciosa ao erro

Mesmo sem formalidades, colaboradores aprendem rapidamente que quem erra perde espaço. Projetos interrompidos sem explicação, exclusão de oportunidades futuras, avaliações de desempenho afetadas: são punições que não aparecem nas políticas, mas aparecem na memória coletiva da organização.

3. Falta de tempo para experimentar

Organizações que operam no limite da produtividade deixam claro, mesmo sem dizer, que não há tempo para o novo. A inovação passa a ser percebida como luxo, e os colaboradores internalizam que experimentar é “atrasar” as entregas principais.

4. Liderança avessa à vulnerabilidade

Líderes que não compartilham seus próprios aprendizados, erros ou dúvidas reforçam a ideia de que o certo é não se expor. Essa aversão à vulnerabilidade modela uma cultura de silêncio defensivo — onde arriscar é se comprometer.

5. Sucesso sem aprendizado

Empresas que celebram apenas os cases de sucesso — sem dar espaço aos aprendizados dos projetos que não escalaram — criam um efeito colateral perigoso: todo projeto passa a ser pressionado a performar, mesmo sem estar pronto. Isso desincentiva a transparência, distorce métricas e mascara os dados mais valiosos: os do que não funcionou.


Enfrentando o medo: o que funciona (e o que não funciona)

Superar essas barreiras exige mais do que boa vontade. Exige reposicionar o fracasso como parte legítima do ciclo de inovação. E isso começa por uma distinção importante: fracasso e negligência não são a mesma coisa.

Organizações inovadoras não são condescendentes com o erro. Elas são rigorosas com a aprendizagem. Elas não toleram descaso ou repetição de falhas evitáveis, mas premiam a coragem responsável de tentar o novo, quando ancorado em propósito, método e transparência.

Entre as práticas eficazes para esse reposicionamento estão:

  • Revisões pós-ação estruturadas, em que equipes analisam o que foi tentado, o que funcionou, o que não funcionou e por quê;
  • Rituais de “erros valiosos”, em que aprendizados importantes são apresentados publicamente e integrados à inteligência coletiva;
  • Linguagem intencional, que substitui “fracasso” por termos como “hipótese não validada” ou “resposta do sistema” — tirando o peso moral do erro;
  • Proteção institucional aos projetos em fase de teste, com clareza sobre limites de risco e critérios de continuidade, para evitar que sejam abandonados prematuramente.

Mais importante que tudo: líderes precisam ser os primeiros a modelar essa postura. Contar seus próprios erros, legitimar os dos outros, mostrar que inovação exige coragem — e que a cultura está ali para sustentar, não punir.

Segurança psicológica como infraestrutura da inovação

Muito se fala em inovação como diferencial competitivo. Mas poucos líderes compreendem que o solo onde a inovação germina não é feito de talento, nem de tecnologia, mas de segurança relacional. A capacidade de uma equipe propor algo novo depende diretamente da sensação de que ela pode correr riscos interpessoais sem medo de ridicularização, punição ou isolamento.

Amy Edmondson, ao estudar ambientes de alta complexidade como hospitais e fábricas aeroespaciais, descobriu que o desempenho não dependia tanto da ausência de erros, mas da presença de um ambiente que permitia que eles fossem reportados, discutidos e transformados em aprendizado. Isso deu origem ao conceito de segurança psicológica, hoje um dos pilares mais estudados e aplicados em times de alta performance.

No contexto do intraempreendedorismo, segurança psicológica se traduz em três permissões silenciosas:

  • Você pode propor (suas ideias serão escutadas com interesse e sem julgamento precoce);
  • Você pode falhar (o erro não comprometerá sua reputação ou seu crescimento profissional);
  • Você pode aprender (o que for descoberto será valorizado, independentemente do resultado do experimento).

O desafio das organizações é transformar essas permissões em práticas, rotinas e decisões consistentes. A seguir, apresentamos um modelo prático com quatro frentes de ação, cada uma com seus mecanismos e indicadores.


Modelo de Segurança Psicológica Aplicada à Inovação

1. Normas sociais de acolhimento ao risco

A primeira camada da segurança psicológica está nas regras não escritas que orientam como as pessoas se comportam em grupo. Se a norma tácita for “não traga problemas sem solução”, ou “aqui quem fala demais se expõe”, o medo irá predominar — mesmo com programas de inovação formalizados.

Como construir:

  • Estabeleça rituais em que o foco seja o processo, não apenas o resultado.
  • Comece reuniões com perguntas abertas: O que aprendemos essa semana? ou Que suposições estamos testando?
  • Treine líderes para agradecer explicitamente ideias novas — mesmo que não sejam aplicadas.

Indicador informal:
Quando ideias são sugeridas em reuniões, quantas delas são acolhidas com escuta real antes de serem rebatidas? Silêncios longos ou respostas defensivas são sinais de que o grupo não se sente seguro.


2. Estruturas de proteção ao erro construtivo

A inovação precisa de liberdade, mas também de contornos claros. Paradoxalmente, o que sustenta a segurança psicológica não é o caos — é a estrutura que delimita o campo do risco permitido.

Como construir:

  • Defina zonas de experimentação com escopo, tempo e recursos definidos (ex: sandbox de inovação, sprint de prototipagem).
  • Estabeleça critérios para “erros aceitáveis”: hipóteses testadas com método, alinhadas à estratégia e documentadas.
  • Formalize ciclos de revisão pós-projeto com foco em aprendizado, e não em cobrança de metas.

Na empresa Gore (fabricante do Gore-Tex), todos os projetos de inovação têm um “patrocinador responsável” que garante proteção política durante a fase de teste. Se a hipótese não se comprovar, é o patrocinador que comunica a decisão à organização, preservando a reputação do time.


3. Reconhecimento institucional do aprendizado

A segurança psicológica se torna tangível quando o aprendizado se torna visível e valorizado. Não basta permitir o erro — é preciso celebrar o que se aprendeu com ele.

Como construir:

  • Crie prêmios e rituais de reconhecimento não só para projetos bem-sucedidos, mas para aprendizados valiosos de tentativas não escaladas.
  • Torne públicos os “logs de aprendizado” dos projetos encerrados.
  • Incorpore critérios de aprendizado nos KPIs dos programas de inovação (ex: número de hipóteses testadas, documentadas e reaproveitadas).

No Google X (o laboratório de moonshots do Google), os times que encerram projetos com base em dados que comprovam inviabilidade são premiados. O raciocínio é claro: encerrar rápido evita desperdício de recursos e libera talentos para novas missões.


4. Modelagem comportamental pelas lideranças

Nada molda mais a cultura de uma equipe do que os comportamentos dos seus líderes em momentos ambíguos. O que o gestor faz quando um experimento falha? O que ele valoriza em sua equipe? Como responde a uma ideia imperfeita, porém corajosa?

Como construir:

  • Promova sessões de “falhas bem-sucedidas” conduzidas por lideranças.
  • Estimule que os líderes compartilhem seus próprios erros e aprendizados, criando empatia e legitimidade.
  • Ofereça formação em coaching para líderes de equipes em contexto de inovação.

Sinal de maturidade:
Quando os próprios líderes passam a buscar orientação com intraempreendedores experientes para estruturar seus próprios projetos ou experimentos.


Monitoramento e reflexão contínua

A segurança psicológica não é um estado permanente. Ela oscila. É construída e reconstruída a cada interação. Por isso, é essencial ter mecanismos leves de escuta contínua, que permitam captar sinais de retração ou expansão do espaço de expressão.

Sugestões de ferramentas de escuta:

  • Mini-pulsos mensais com perguntas como:
    “Sinto que posso propor uma ideia nova sem medo de julgamento”
    “Me sinto à vontade para admitir quando não sei algo”
    “Erros honestos são tratados como parte do processo de aprendizagem”
  • Debates em retrospectivas: “O que deixou de ser dito neste projeto?”
  • Mapas de segurança psicológica por time ou unidade.

Considerações finais: segurança não é indulgência — é maturidade

Criar um ambiente onde as pessoas possam falhar sem medo não é criar uma cultura permissiva. É criar uma cultura exigente, porém justa. Uma cultura onde se espera que as pessoas experimentem com responsabilidade, aprendam com método, e compartilhem com generosidade.

Inovação não é consequência da ausência de erro. É consequência da presença de um sistema que trata o erro como fonte de valor — desde que ele seja encarado com intenção, humildade e rigor intelectual.

Organizações que conseguem isso constroem algo raro: um espaço de alta ambição com alta segurança. E é nesse espaço que o intraempreendedorismo deixa de ser exceção — e passa a ser identidade.