3 etapas para criar uma estratégia de portfólio da inovação

Nos últimos anos, o discurso sobre inovação tornou-se ubíquo no universo corporativo. Da transformação digital às iniciativas ESG, da inovação aberta ao investimento em startups, a palavra “inovar” ganhou protagonismo em praticamente todas as agendas executivas. No entanto, por trás desse entusiasmo, há uma verdade desconfortável: a maioria das organizações ainda não sabe como estruturar e governar suas iniciativas de inovação de forma estratégica.

Isso se evidencia especialmente quando olhamos para um dos temas mais negligenciados (e, paradoxalmente, mais críticos) da gestão da inovação: a gestão de portfólio de inovação.

Ao contrário da intuição comum, gerir um portfólio de inovação não é apenas compilar uma lista de projetos. É, essencialmente, tomar decisões informadas e sistemáticas sobre onde a organização deve concentrar seus esforços de inovação. Isso envolve, entre outros aspectos:

  • Identificar e classificar os tipos de inovação em curso;
  • Avaliar risco e retorno de cada iniciativa;
  • Alocar recursos (financeiros, humanos, políticos) com base em critérios robustos;
  • Manter coerência estratégica sem sufocar a experimentação.

É por isso que empresas maduras em inovação tratam seu portfólio como um instrumento de governança estratégica, e não como um artefato operacional.


A dialética entre exploração e exploração: dois mundos, uma tensão

A gestão de portfólio se torna ainda mais desafiadora ao considerarmos a clássica — e não resolvida — tensão entre dois tipos distintos de inovação: exploração (explore) e explotação (exploit).

  • Exploit: refere-se à inovação incremental, orientada à eficiência, melhoria contínua, redução de custos e consolidação do core business. Aqui, os ciclos são curtos, os resultados são previsíveis e o risco é relativamente baixo.
  • Explore: diz respeito à inovação radical, disruptiva, voltada para novos mercados, novas tecnologias ou novos modelos de negócio. Os ciclos são longos, a incerteza é alta, e os retornos são potencialmente exponenciais — ou nulos.

Essa divisão conceitual remete ao trabalho seminal de March (1991), que tratou a tensão entre exploração e exploração como o núcleo do aprendizado organizacional. Mais tarde, o conceito seria refinado por O’Reilly e Tushman (2013) no arcabouço da ambidestria organizacional, que afirma que empresas bem-sucedidas no longo prazo são aquelas capazes de operar simultaneamente nessas duas lógicas — e de sustentar essa ambidestria por meio de estruturas, processos e lideranças específicas.


O portfólio como espelho da estratégia de inovação

O que pouca gente percebe é que a ambidestria organizacional se manifesta, antes de tudo, no portfólio de inovação. Um portfólio que concentra 90% de seus projetos em melhorias marginais revela uma organização presa ao presente. Já um portfólio que aposta tudo em tecnologias ainda imaturas sem ancoragem com a estratégia principal pode expor a empresa a um colapso operacional.

Logo, o portfólio é muito mais do que um “termômetro de inovação”: ele é um mapa do futuro possível da organização. Ao analisar criticamente a distribuição de projetos, conseguimos enxergar não apenas o que está sendo feito, mas com qual lógica estratégica, com qual horizonte temporal, com qual apetite a risco, com qual maturidade em governança.

Isso nos leva à importância de modelos de classificação do portfólio — e, nesse ponto, o framework dos Três Horizontes da McKinsey se destaca como uma das abordagens mais didáticas e poderosas para guiar decisões estratégicas em ambientes incertos.

Três horizontes, três tempos, uma única organização

A ideia de que inovação acontece em diferentes “tempos estratégicos” é uma das contribuições mais influentes da consultoria McKinsey para o campo da gestão da inovação. Seu modelo dos Três Horizontes de Crescimento, apresentado originalmente em 1999 e refinado ao longo da década de 2000, propõe uma estrutura simples, mas poderosa, para classificar e equilibrar um portfólio de iniciativas de inovação.

A lógica é a seguinte:

  • Horizonte 1 (H1): representa o core business da empresa — produtos, serviços e processos existentes. O foco está em manter a competitividade, melhorar margens e proteger a base atual de receita. É onde reside a exploração.
  • Horizonte 2 (H2): compreende iniciativas adjacentes ao negócio atual — seja por meio da expansão para novos segmentos, tecnologias complementares ou melhorias substanciais. É o território da inovação evolutiva, ainda ancorada na lógica do negócio atual, mas com potencial de transformação.
  • Horizonte 3 (H3): é o domínio da inovação disruptiva — apostas em modelos de negócio inteiramente novos, tecnologias emergentes ou oportunidades que ainda não foram plenamente exploradas. Aqui vive a exploração estratégica do desconhecido.

O modelo sugere que empresas bem-sucedidas devem alocar seus esforços de forma equilibrada entre os três horizontes, garantindo não apenas a sobrevivência no curto prazo, mas também a relevância no médio e a liderança no longo prazo.


O erro mais comum: usar os Três Horizontes como um gráfico estático

Embora o modelo seja elegantemente simples, ele costuma ser mal interpretado em duas dimensões fundamentais:

  1. Horizonte ≠ Tempo cronológico
    Muitas empresas tratam os horizontes como etapas sequenciais: primeiro o H1, depois o H2 e só então o H3. Essa abordagem é equivocada. Os três horizontes não são fases de um projeto; são linhas paralelas de investimento e foco que devem coexistir simultaneamente. O gestor ambidestro atua hoje em todos eles — com graus distintos de investimento e governança.
  2. Horizonte ≠ Risco assumido “naturalmente”
    Outro erro frequente é tratar H1 como “baixo risco” e H3 como “alto risco por definição”. A realidade é mais nuançada: o risco de não investir em H3 pode ser maior do que o de falhar em uma iniciativa de H2. O verdadeiro risco é estratégico, e não operacional.

Diagnóstico: como anda o seu portfólio?

A aplicação do modelo dos Três Horizontes deve começar com um exercício honesto de mapeamento:

  • Quantos dos seus projetos atuais se enquadram em cada horizonte?
  • Qual o peso financeiro e de talentos dedicado a cada horizonte?
  • Os KPIs usados para avaliar essas iniciativas respeitam suas naturezas distintas?

Uma análise bem-feita quase sempre revela um viés excessivo para o H1, com investimentos tímidos ou simbólicos em H2 e H3 — o que compromete a regeneração estratégica da empresa no médio e longo prazo.

A gestão estratégica do portfólio, portanto, deve funcionar como um sistema de correção ativa de viés: ampliar a visão de longo prazo, proteger a inovação radical dos filtros prematuros da eficiência e garantir que o presente não sufoque o futuro.

Ambidestria aplicada: construir uma lógica de portfólio que sustenta hoje e reinventa o amanhã

Se a Parte 2 nos mostrou que os três horizontes são linhas paralelas de gestão, a pergunta inevitável é: como estruturar um portfólio de inovação que os contemple de forma equilibrada, coerente e funcional?

A resposta passa por três pilares interdependentes:

  1. Mapeamento e classificação rigorosa das iniciativas existentes;
  2. Alocação estratégica de recursos financeiros, humanos e atencionais;
  3. Estabelecimento de critérios, ritos e estruturas de governança diferenciados para cada horizonte.

Etapa 1: Diagnóstico do portfólio atual

A primeira etapa consiste em mapear com precisão o que compõe o portfólio de inovação da empresa — não apenas no discurso, mas no investimento real. A ferramenta recomendada para isso é o Innovation Ambition Matrix, proposta por Nagji & Tuff (2012), que cruza o grau de novidade do mercado com o da solução.

Três categorias emergem:

  • Inovações Core (H1): melhorias incrementais em produtos ou processos já existentes.
  • Inovações Adjacentes (H2): expansão de competências existentes para novos mercados ou de soluções novas para o mercado atual.
  • Inovações Transformacionais (H3): ruptura do modelo atual de negócios, geralmente com base em tecnologias emergentes ou mercados inexplorados.

Este exercício revela a “verdadeira ambição inovadora” da empresa — muitas vezes mascarada por narrativas de disrupção que não se traduzem em ações práticas. Uma análise consistente costuma mostrar que mais de 80% dos recursos estão presos em iniciativas core, enquanto o espaço transformacional é tratado como aposta marginal.


Etapa 2: Alocação diferenciada e deliberada

Após classificar os projetos, o passo seguinte é a alocação intencional de recursos, refletindo os objetivos estratégicos da organização. Nagji e Tuff sugerem uma proporção recomendada para empresas estabelecidas:

  • 70% em H1 (core);
  • 20% em H2 (adjacente);
  • 10% em H3 (transformacional).

Esse “70–20–10” não é uma fórmula fixa, mas um ponto de partida útil. Startups deep tech podem inverter essa lógica; empresas em setores maduros tendem a concentrar mais em H1. O importante é a alocação ser resultado de decisão estratégica, não de inércia organizacional.

Mais relevante ainda: o investimento não deve ser apenas financeiro. É preciso observar a alocação de:

  • Tempo executivo (quais projetos chegam à mesa do C-level?);
  • Talentos-chave (quem está dedicado ao quê?);
  • Atividade política interna (quais iniciativas recebem “patrocínio invisível”?).

Etapa 3: Diferenciação de governança por horizonte

Um erro recorrente é aplicar o mesmo processo decisório para projetos de naturezas radicalmente diferentes. Avaliar uma iniciativa H3 com os critérios de ROI de um projeto H1 é a receita para sufocar a inovação radical na primeira reunião de comitê.

O modelo ideal propõe governanças paralelas:

  • Projetos H1 com foco em ROI, prazos, eficiências e métricas tradicionais.
  • Projetos H2 com ciclos de aprendizado e validação progressiva.
  • Projetos H3 com sistemas de exploração de incertezas, com KPIs voltados para aprendizado validado, milestones de tração e viabilidade técnica.

Frameworks como o Stage-Gate Adaptativo, o Innovation Funnel ou os Dual Operating Systems (Kotter) são instrumentos relevantes para desenhar processos de decisão adaptados à lógica de cada horizonte.

O mundo VUCA não perdoa modelos de gestão inflexíveis

A gestão tradicional foi concebida para ambientes previsíveis. No entanto, a inovação corporativa se move no oposto disso: ela acontece justamente onde o risco é alto, os dados são escassos e os resultados não são garantidos. É nesse cenário — incerto, ambíguo e dinâmico — que surge a necessidade de uma nova lógica de governança: a governança adaptativa da inovação.

Essa governança precisa ser:

  • Multinível, operando simultaneamente no estratégico, tático e operacional;
  • Modular, com regras distintas para diferentes tipos de iniciativa (H1 ≠ H3);
  • Ágil, sem perder o controle institucional;
  • E acima de tudo, coerente com a ambidestria organizacional.

Trata-se de abandonar a ideia de que existe uma única forma de decidir sobre projetos. O papel do gestor de inovação, nesse contexto, é projetar sistemas de decisão que sejam compatíveis com a natureza dos projetos sob sua tutela, promovendo um equilíbrio entre liberdade criativa e accountability real.


Tomada de decisão sob incerteza: lógica de portfólio ≠ lógica de projetos individuais

Em ambientes de alta incerteza, a tomada de decisão sobre inovação não pode ser centrada no sucesso individual de projetos. O foco deve estar no valor do portfólio como um todo — assim como um investidor de risco sabe que boa parte de suas apostas falhará, mas que uma única “unicornização” compensará amplamente o risco assumido.

Este raciocínio nos remete ao conceito de “opções reais”, amplamente estudado por Gary Pisano. Uma iniciativa de H3 pode ser vista como uma call option estratégica: mesmo que não gere receita imediata, mantém a empresa posicionada para capturar valor em cenários futuros de ruptura.

Na prática, isso exige:

  • Aceitar a falha como parte do portfólio, não como aberração.
  • Monitorar “sinais fracos” e usar hipóteses como instrumentos de navegação.
  • Celebrar aprendizados validados, mesmo quando os projetos são encerrados.

Da governança à aprendizagem organizacional

A função da governança adaptativa não termina com o controle: ela deve retroalimentar o sistema com aprendizado estratégico. Aqui, a inovação se conecta com a teoria das capabilidades dinâmicas, formulada por Teece, Pisano e Shuen (1997): a capacidade da organização de sentir, aprender e reconfigurar seus recursos diante de mudanças radicais no ambiente.

Ou seja, o portfólio de inovação é também um sistema nervoso organizacional. Quando bem gerido, ele identifica oportunidades emergentes, absorve conhecimento distribuído, protege a experimentação e transforma insights em vantagem competitiva durável.

Para isso, é essencial implementar mecanismos de:

  • Revisão e reclassificação contínua dos projetos à medida que evoluem;
  • Debriefs estruturados pós-projeto (com foco em aprendizado, não apenas performance);
  • Espaços rituais de sensemaking, onde líderes tomam decisões com base em narrativas emergentes, e não apenas dashboards tradicionais.

Conclusão: Portfólios não são estáticos — são arquiteturas de futuro em construção

A verdadeira maturidade em inovação corporativa não está em ter mais ideias ou mais projetos. Ela reside na capacidade de fazer escolhas estratégicas sobre onde arriscar, onde explorar, e onde consolidar — com disciplina, clareza e coragem.

A gestão de portfólio de inovação, quando bem executada, deixa de ser uma tarefa de compliance para se tornar um diferencial competitivo fundamental. Ela traduz a estratégia da empresa em ação concreta, distribui o risco de maneira inteligente, conecta o presente com o futuro e permite que a organização evolua conscientemente, sem sacrificar sua capacidade de reinvenção.

Neste cenário, o papel do gestor de inovação não é apenas técnico — é estrategista, diplomata e arquiteto de ambidestria. E, mais do que nunca, é ele quem pode garantir que a inovação não seja apenas um discurso — mas uma prática viva, sustentada e transformadora.